terça-feira, 1 de outubro de 2013

A pergunta que mais tenho ouvido nos últimos tempos é: E agora, o que você vai fazer quando voltar para o Brasil?

- Olha moço, vou abraçar meus amigos, cansar os ouvidos de todo mundo, fazer minha família ficar horas sentada ao meu redor enquanto desempacoto tudo e acho mil presentes, vou comer comida boa, falar português.

Dá vontade de responder assim. Mas aí eu acabo contando que vou procurar emprego e que vai ser difícil e que sou jornalista e etc e tal. Não sei quem é que fica mais assustado, meu ouvinte ou eu. Porque quando as pessoas convivem com uma au pair, elas enxergam ali uma... au pair. Plam! Não lembram que num tempo não muito distante você estudou, teve outra profissão, outra rotina. Nessa brincadeira, eu também acabo me lembrando que tive essa vida, mas e aí, o que fazer com ela?

Prometi pra todo mundo que não ia me preocupar com isso antes do tempo, mas quando é mesmo o tempo? Apesar de achar que nunca parei de pensar nisso, é sempre divertido ver as expressões das pessoas. “JORNALISTA?!” Essa semana quase matei de susto as duas professoras do meu menino por conta disso. Eles se revoltam em saber que na vida real, não, eu não trabalho com crianças. E ninguém jamais diria que há poucos anos eu matei uma tartaruga de fome, um bonsai desidratado. Hoje sou aquela que “nasceu pra isso”. Mas será? Me venham com sobrinhos e tá tudo resolvido, não preciso de mais nada. Vejo claramente que meus maiores dons são o verbo e o amor, nada mais. E é por isso que dei certo com as crianças.

Meu relógio desembestou de vez, e agora, mais do que nunca, eu percebo o quanto dei mesmo certo com eles. O quanto eles me ouvem, acreditam em mim e confiam de verdade. Hoje perguntei pro Lucas quem eu era pra ele. E numa carinha confusa ele disse que não sabia. Meio mãe, meio amiga, meio colega de escola, meio irmã. Só sei que ele passa a maior parte da vida dele comigo e que o som da risada dele ecoando pelas escadas de manhã é o que me dá coragem pra levantar todos os dias. Aprendendo a falar, a Valentine me chama de Mama - assim como ela chama qualquer pessoa que passar na rua. Mas aí sempre dá aquela pontadinha no peito e eu aperto ela com força nos meus braços, e não importa meu nome, porque o que ela me devolve é também amor.

Meu cronômetro me mostra 17 dias. Menos alguns. Todos os dias cheios. E eu querendo inventar lugares, desenhos, piruetas, novos recheios de sanduíche. Como se o tempo estivesse só começando. Como se o tempo não fosse parar.

Tento registrar em palavras, vídeos, fotografias ou rabiscos coloridos no papel todo o nosso tempo. Viajamos juntos, toda a família em férias, na metade de setembro. E eu confesso que nunca acumulei tantas fotos, tantos passinhos com mãozinhas dadas, tantos boas noites risonhos. Eu piscava forte pra guardar em mim uma bagagem muito maior do que aquela que eu trazia pra França. De lá, fui pra uma das maiores aventuras da minha vida, numa viagem sensacional para Marrakech. Expus minha figura na Medina, gastei todos os meus dihrans, andei de camelo, comi cuscuz, vi a lua mais bonita da minha vida. Passei uma noite no deserto ao som da percussão inconfundível da música árabe e, na manhã seguinte, apaguei todas as fotos que tinha tirado – desde a França. Era um erro grande demais pra mim, uma falha inadmissível, uma estupidez sem tamanho! Explodindo a raiva que vinha de dentro, eu engolia minhas lágrimas e ouvia de não muito longe a Letícia contando a nossa história para uma outra menina, que conhecemos no trajeto. Foi aí que eu sequei minha fúria do mesmo jeito que o vento levou a areia do deserto, onde a Lê cuidadosamente desenhou nossos nomes. Ouvindo nossa história assim, narrada por ela, naquela luz de sol que amanhece com preguiça, eu me orgulhei da gente. E conclui que não importava tanto assim ter perdido todas as fotos, porque o mais importante é continuar traçando caminhos que me permitam voltar. Caminhos que me deem fôlego pra contar histórias. Caminhos que me façam querer sempre guarda-los comigo.


Não sei o que vou fazer quando voltar para o Brasil. A verdade é essa. Mas agora, depois desse ano e de tudo que eu ganhei com ele, eu sei como nunca o que eu mais prezo na vida. Quais valores me valem, quais eu não quero levar. Tenho agora os ombros mais largos de mim.

8 comentários:

L. Pomaleski disse...

Cada dia que passa o aperto no coração vai ficando maior. Mas nosso "tchau" vai ser um "até logo", ou um "dank u wel voor spelen" seguido do famoso "tot de volgende keer".

E vou levar esse "tot de volgende keer" muito a sério, escuta o que tô falando! hahaha

Obrigada por esse tanto de aventura somada com esse tanto de palavras bonitas.

<3

Unknown disse...

Seus maiores dons são mesmo o verbo e o amor. Mais o amor.

Arthur disse...

Não vou escrever aqui o quanto eu acho lindo o q vc escreve ou como me emociono, enfim.

Queria contribuir de uma forma diferente. Você sabia que dá pra recuperar fotos deletadas de discos de memória? Não é mto dificil. =P

Lucas Garcia disse...

Forte candidato a melhor post e, com certeza, causador de algumas lágrimas por aí!

Unknown disse...

Belas palavras.
E outra, nem sempre precisamos saber todas as respostas.
Let it be. *-*

Unknown disse...

Esse ficou lindo mesmo!
Não vejo a hora de chegar o dia daquele abraço!

Unknown disse...

lindo, deh!
a vida é feita de momentos que a gente não quer que acabe mesmo. é feita de dias que a gente não quer que tenham fim, de experiências que a gente não quer que deixem de ser novas, de pessoas que a gente não quer que cresçam, de lembranças que a gente não quer que desapareçam.
que lindo que você sente tudo isso, com todo o seu amor, e que consegue fazer a gente pensar nisso também, com todo o seu talento pra verbalizar!

Isabella Gouthier disse...

Sempre digo que eu queria que meus olhos pudessem tirar fotos... Seria tão mais facil, com uma piscadinha e CLICK! tudo guardado de algum jeito que desse pra revelar depois... hehe.. mas de certa forma, um tanto quanto impalpável, é bem isso que acontece... Apesar de tanto a gente tentar, as fotos não foram recuperadas... mas... o que você viveu ta ai, guardado pra sempre nesse seu coração sempre tão grande que transborda amor até pros passarinhos da janela. Te amo e to morrendo de saudade. volta logo, e só.

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